sábado, dezembro 17, 2016

Às escuras

Tem paciência, disseram-me.

Como se paciência fosse algo que se decide ter.
Como se nascesse em nós no momento em que dela precisamos.

Sou, por natureza, paciente. Acho que aceito as coisas como são, o que algumas vezes me fez passar por acomodada - coisa que não considero ser.
Mas sou, também, decidida. E estou decidida a ser feliz: a fazer da vida o melhor que conseguir, a honrar a minha existência, a fazer a minha aprendizagem, crescer e evoluir.
Nas metas que vou estabelecendo para mim mesma vou encontrando desafios. E talvez o mais difícil de todos eles é esperar, aceitar que as coisas nem sempre acontecem "no tempo" que consideramos o certo. Consideramos... porque saber, na verdade, não sabemos.
A questão é que vemos muito pouco do caminho à nossa frente. Como se o percurso da nossa vida inteira fosse passado numa noite sem luar, escura, percorrendo uma estrada onde não existe luz. Não vemos para onde nos dirigimos nem tão pouco sabemos que encruzilhadas encontraremos. Passo a passo, percorremos o caminho, que às vezes é de alcatrão e nos convida a correr, outras é acidentado, cheio de pedras, altos e baixos, abrandando o nosso ritmo. Mas sempre às escuras. Normalmente, tal como numa dessas noites sem luar, não vemos muito mais do que um ou dois metros ao nosso redor - o nosso presente.
E é por isso mesmo que somos geralmente tão maus a perceber o nosso próprio percurso até que ele seja, efectivamente, percorrido. Como podemos querer algo aqui e agora se não sabemos o que nos espera adiante? Como podemos achar que este é o momento para que algo aconteça se não vemos para além daquele metro ao nosso redor, o nosso presente?
E é por isso também que quase sempre só depois, e às vezes muito depois mesmo, é compreendemos o porquê de tantas esperas, pausas, encruzilhadas e até quedas naquela estrada escura que é a nossa vida.


Tem paciência, disseram-me.

E eu que neste escuro não enxergo nada, dou mais um passo. Porque todos os caminhos se fazem da mesma maneira, um passo de cada vez.


quinta-feira, novembro 24, 2016

Porquê?

Se é da amargura que nasce a poesia, porque não é este texto um soneto?
Se é da tristeza que nasce a inspiração, porque não desliza a pena nos meus dedos?
Se é da dor que nasce a aprendizagem, porque não são sábias as palavras que escrevo?
Se é da desilusão que nasce a força, porque não levanto o mundo na palma da mão?
Se é das rasteiras da vida que nasce o engenho, porque não manobro o destino como se a mim pertencesse?


Se é do fim que nasce o começo, porque me prendo numa espiral onde fim não existe e princípio não há?

domingo, novembro 20, 2016

Hoje e Sempre

Hoje e Sempre: que não falte a luz do sol, a pureza da água, a força da terra e a leveza do vento.


Hoje e Sempre: que esteja connosco a protecção da lua, os desígnios das estrelas, a precisão de cada planeta, alinhado e cruzado no momento certo.

Hoje e Sempre: que não se perca a liberdade dos sonhadores, a certeza dos vencedores, a loucura dos apaixonados.

Hoje e Sempre: que haja um colo para nos receber, um ombro para nos apoiar, uma mão para nos puxar.

Hoje e Sempre: que sejam lidos todos os sinais, a paz encontrada em todas as decisões, que todas as incertezas permitam crescer.

Hoje e Sempre: que nunca falhe a fé num Bem Maior, a tranquilidade do Espírito Guia, a escolha do caminho da Felicidade.



Firme a cada passo ainda que insegura até poisar o pé no chão.


terça-feira, novembro 01, 2016

Esquecer



Já te esqueci.

Esqueci o teu cheiro. O doce aroma da tua boca. O cheiro intenso da tua pele.

Esqueci o teu toque. A força da tua mão. A leveza dos teus dedos.

Esqueci a tua voz. A firmeza do teu tom. A doçura do teu "bom dia".

Esqueci o teu olhar. A alegria do reencontro. A transparência do teu ser.

Esqueci o teu corpo. A beleza das tuas linhas. A perfeição dos teus defeitos.


Não perguntes como me lembro.

segunda-feira, outubro 31, 2016

S

Há pessoas bonitas. Bonitas mesmo. Bonitas aqui, em qualquer lado. Bonitas aos meus olhos, aos teus, aos de quem for. Bonitas quando olhamos e queremos ver.

A S é assim. A primeira impressão (mas breve, muito breve) é de um rosto fechado, sério. Podíamos ficar por aqui. Mas o olhar -  intenso, penetrante, cheio... depressa convida à curiosidade. Olhamos melhor. Não, não é um rosto fechado. É um rosto vivido, concluímos.
Os traços são fortes. Linhas bem definidas, estreito mas largo. Sim, estreito mas largo. Rugas não tem: a vivência marcou-a de outra forma (felizmente não lhe vemos a alma que a dor quando se transmite magoa a dobrar).

Continuamos a olhar.... De repente, um sorriso - leve e breve. Como quem ri de uma criança tonta e das suas perguntas que, aos olhos de quem sabe o caminho, parecem tão absurdas. Olha para nós assim mesmo: como crianças. E nós depressa ocupamos esse lugar -o de quem quer saber. De bom grado. E com prazer.

Para ela é lógico. Para nós, inacreditável. Conhece o caminho - cada centímetro. Sabe onde fica cada pedra, adivinha onde vão parar as que tentamos tirar do trilho, achando que assim mudamos o rumo (da nossa vida???).
Mas"não", diz ela. Certa. Convicta. Absoluta: "Não".
Tiras a pedra, dás-lhe um pontapé, podes até arremessá-la para longe. Se aquela pedra fizer parte do teu caminho, depressa serás tu, sem querer, sem perceber, decidindo sem decidir, a mudar isto aqui, aquilo acolá... apenas para que tudo te leve, novamente, a tropeçar nela. "Assim é", diz.

 E assim será.

domingo, outubro 09, 2016

Não sabes

Não me sabes ler.
Dizes que sabes. Mas não.

Não me sabes ler.
Não percebes as minhas manias, os meus jeitos e trejeitos.

Não me sabes ler.
Não entendes a sobrancelha levantada que pode ser suspeita mas também ironia.

Não me sabes ler.
Não compreendes o sarcasmo que é vírgula,  reticências e ponto final em tantos dos meus comentários.

Não me sabes ler.
Não percebes porque me rio por tudo e por nada, Porque choro porque sim e porque não.

Não me sabes ler.
Percebes o que digo mas não entendes o que faço.

Não me sabes ler. 
Olhas para mim mas não me vês.

Não me sabes ler.
Não aprecias meias-palavras. Não entendes os espaços deixados em branco à mercê da imaginação.

Não me sabes ler.
Aceitas apenas o preto e o branco. Mas tanto do que acontece se passa no cinzento.

Não me sabes ler.
Podias. Mas não sabes.

sábado, abril 16, 2016

Amor verdadeiro

Não acompanhei devidamente aquela gravidez.
Não soube quando eram exames e ecografias. Não perguntei uma única vez se estava tudo bem. Não fiz uma festa na barriga. Não torci para ser menino ou menina. Não comprei uma única peça de roupa ou lembrança. Não tive vontade de o fazer nem vontade de fingir.
Passaram nove meses e o bebé nasceu. Não fui vê-lo à maternidade. Não liguei no próprio dia a dar os parabéns. Mas uns dias depois fui vê-lo a casa...

Não sei explicar o que nesse momento aconteceu. Já tinha ouvido falar de amor à primeira vista mas não podia sonhar com a força e intensidade de um sentimento como este. Estava a dormir ao colo da mãe (fazia-me lembrar o meu irmão em bebé). Aproximei-me sem pensar, sem os receios e as reticências que ditaram o meu afastamento durante a gravidez. Do outro lado uma mãe generosa estendeu os braços dizendo: "Toma, pega no teu sobrinho." E peguei.

Como é possível amar-se de imediato um ser que nunca vimos? Como?
Não sei como, mas é possível.

O meu sobrinho é a luz dos meus olhos e o amor da minha vida. De certo veio ao mundo para ser feliz e fazer-nos felizes. Mas talvez tenha vindo também para me ensinar algo. Lição aprendida, Leo.