sábado, março 04, 2017

Memória

Agora, Agora, Agora.

Vou repetir: Agoooora.
Percebeste? Sim, percebi. Agora sim. Agora. É isso?
Sim, é. Agora.


Fala comigo todos os dias. Acho mesmo que se senta antes de cada discurso, cansado que está de tanto ensaiar, palavra a palavra , tudo o que me dirá.
Tem boa intenção. Quer proteger-me, claro. Para isso usa o que sabe, o que conhece, o que lhe é familiar, o que já viveu. Porque para ele só isso existe .
Para me poupar a um novo sofrimento, recorda-me uma e outra... e outra vez. Para que se perpetue em mim a lembrança e com ela venha a cautela. Ele vive lá. No que foi e aconteceu, - e com as linhas do passado escreve os textos do futuro. "Tem cuidado", sussurra. Mas o resto... o resto grita. Alto -  tão alto que não me deixa dormir.
Lá vem de novo. A mesma lembrança, o mesmo momento. Quer à força conservar o que procuro esquecer.
Aprendi que tenho que falar com ele também. E faço-o. Agradeço a intenção. Explico que não posso mudar o passado nem prever o futuro pelo que me resta viver no Presente. Ele percebe. Por pouco tempo, contudo.

Puxa-me para o que conheço porque receia o que não viveu. É uma âncora para o familiar, o cómodo, o habitual. Devo-lhe muito, eu sei. Porque não existe aprendizagem terrena sem ele. Mas estou a aprender também que posso e devo tomar as rédeas desta relação. É agora, eu sei, E o meu EGO, resignado, ocupa o seu lugar.

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