sexta-feira, fevereiro 27, 2009

A filha que não tenho

Era a menina mais perfeita que conheci. Uma criança linda e adorável. Conheci-a ainda pequena, dois ou três anos de idade, por aí... Para além da beleza única dos olhos, escuros e grandes, e dos caracóis, curtos e despenteados, tinha uma doçura sem par. Meiga, simpática e divertida. Sempre bem-disposta, alegre e tão doce.

Acompanhei o crescimento, embora sem paralelo entre a regularidade e a vontade. Fui percebendo como os caracois desgrenhados foram ganhando ganchos, e a doçura do olhar começou a acompanhar-se de palavras igualmente meigas... Sempre cheia de vontade de ver coisas mas sempre à espera de permissão para dar o próximo passo.

A perfeição que não existe certamente encontraria aqui um desafio. Tanto, que repeti, muitas e muitas vezes, a vontade de ter uma filha assim. Quem me dera que seja como ela...

Crescia e fazia advinhar a adolescente cheia de pretendentes e uma possível dor de cabeça para a mãe preocupada que, sem o pulso forte da figura paternal, sempre educou com carinho - não sabia fazê-lo de outro modo.

Perdi-a de vista numa altura decisiva. A adolescência chegou de repente e roubou-lhe a perfeição. A doçura e meiguice de menina perderam terreno para a beleza, cada vez mais clara, de rapariga, quase mulher.

Reencontrei-a depois de ouvir o desespero da mãe. Esteve com ela todo este tempo mas não percebeu a transição e hoje pouco encontra do carácter adorável que todos nós, mal habituados, demos por garantido. Já não está lá. Deu lugar a uma adolescente sem rumo, perdida... de resposta pronta e desafiante e ouvidos cerrados para conselhos e conversas.

Tenho agora uma missão: resgatar a menina que em tempos conheci. Porque sei que ainda existe. Espero conseguir. Se falhar, sentirei que nada poderia fazer. Não é um desafio altruista. Faço-o por mim. Porque preciso de continuar a acreditar que um dia vou ter uma filha assim.

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